José Ángel Quintero Weir

Jürüko añun we . Jürüko Wamuratü asota e’in wakummakar. Aka,
Mmakar jükana we, jürüko We. Kawe keetü aimora we, api jürüko ou’tee we.
Tawicha Isabelita

Todos nós, o povo, perdemos a memória do nosso caminho, mas,
O mundo olha para todos nós. Temos que mudar ou todos morreremos.
Minha avó Elizabete

Palavras escritas para Ciclo de Conferências: Decálogo sobre o fim do mundo
UNISINOS – Brasil
Guadalajara – México

  1. Amaneü ouatü Ariiyuukai: Aitoraakai

Primeiro foi o Ariiyuu: O Universo

* Vou contar o que dizem os añuu, o povo da água; nossos primos os Wayuu, o povo das terras secas, e os Barí, o povo da selva, das montanhas; que somos os povos que há milhares de anos habitam a grande bacia do Karoorare, que os brancos chamam de Lago Maracaibo. Contarei como foi possível a vida humana neste lado do mundo, até chegarmos ao momento presente, onde todos nós – indígenas e não indígenas – estamos sendo empurrados para refazer o caminho do homem branco que não leva à vida. Não estou dizendo que nos leva à morte porque, afinal, sabemos muito bem que toda e qualquer pessoa tem que desaparecer da vista dos outros em algum momento, mas sim que o caminho dos brancos leva à impossibilidade de reproduzir o vida de comunidades humanas e não humanas em qualquer lugar no olho do universo que todos nós habitamos.

* Direi então que as avós Añuu, mas também os Wayuu, dizem que o céu noturno que vemos cheio de estrelas, é o corpo da energia de Aseyuu (palavra dos Wayuu), ou de Ariiyuu – dizemos o Añuu -, embora os Alíjunas-Ayouna (não indígenas em wayuunaiki e añunnükü respectivamente), digam que é o que chamam de Deus e que, segundo eles, ele apenas tem sua exata imagem e semelhança; No entanto, se entendermos que é isso que torna possível que toda a vida emerja no mundo, então podemos concordar que, certamente, Aseyuu-Ariiyuu certamente deve ser como seu Deus, embora devamos reconhecer que esse animismo mítico não foi inventado por nós.

* A verdade é que Aseyuu-Ariiyuu é para nós Wayuu-Añuu a energia vital que, com a força gigante de seu redemoinho infinito, cria e torna possível a vida de tudo o que está presente no Grande Céu e na Terra. Mas, devemos dizer que Aseyuu-Ariiyuu só adquiriu poder criativo quando as grandes forças do universo: a Grande Clareza e a Grande Escuridão, que, depois de uma grande batalha, acabaram entendendo a impossibilidade de impor uma sobre a outra, então, chegaram a um acordo e juntos criaram a palavra: -Ookoto-que é cortar/compartilhar para a vida. Foi quando tomou forma o Aseyuu-Ariiyuu do universo que vemos hoje como aquele grande céu negro infinitamente iluminado por seus milhões de estrelas, e desde então ele nos observa porque dentro de seus olhos, há milhares de anos, temos todos vem surgindo. Claro que para os brancos esta é apenas uma história porque para eles só a sua história de Deus é a verdade a impor a todos e porque, além disso, só vêem escuridão no céu e muito pouco reparam na luz das estrelas que o iluminam, então eles não conseguem entender o corte/compartilhamento acordado pelas energias que só unidas tornaram possível a criação do Universo.

* Por sua vez, os irmãos Barí dizem que vieram à terra dentro das sementes do fruto do abacaxi que Sabaseba, um Saimadoyi vindo do quinto céu do universo criado pela grande energia de Ñambobikorai, descobriu a Terra da Serra e juntos desceram a outros Saimadoyi para semear suas sementes de abacaxi, mandioca, batata-doce roxa, palmeiras e todas as árvores da vida na selva; mas, foi do fruto do abacaxi que surgiu o primeiro barí como povo, para povoar as terras da Serra em toda a bacia.

* Mas, foi a energia de Ñambobikorai que com sua força e virada de vida distribuiu todo o universo e a própria terra, para que pudessem ser povoados por diferentes comunidades de seres, humanos e não humanos, cada um em seu território espaços. Os Barí pertenciam ao solo das montanhas e planícies ao redor do grande lago, mas apenas durante o dia, já que a noite pertence aos Ishigbarí (os que vivem nas árvores); dos Shibagyi (moradores de cavernas); dos Waibá, que parecem pedras e rochas durante o dia, mas acordam à noite para contar suas grandes histórias e longas lembranças; os Taibabioyi, que são seres muito pequenos, mas cuja grande tarefa é cuidar das nascentes, rios e nascentes de toda a bacia.

* Da mesma forma, os céus são totalmente territorializados; Por isso, o primeiro céu cujos limites são fixados pelas nuvens (Borohba) é habitado pelos irmãos Vento (o Vento Suave e o Vento Forte, sempre acompanhados por Bigdarí, um filho travesso da Tempestade que gosta de brincar com raios e faíscas). Mais acima está o segundo céu, que é o território de Ñandou (Sol) e Chibaëg (Lua), responsáveis​​por compartilhar luz e escuridão para dar vida à Terra. Um terceiro céu é o de Basushimba, território do universo ocupado pelos espíritos dos mortos. Mais acima, o quarto céu, está o território dos Saimadoyi como Sabaseba e Kasosodou que plantaram o povo (os Barí) na selva da Serra. Finalmente, um quinto céu muito distante que é o território dos Tarigbimomó, que são pessoas como os Barí, mas que nunca saem de seu céu porque, se o fizerem, nunca poderão voltar. Direto daquele céu Sabaseba e os outros Saimadoyi saíram e nunca mais voltaram ao seu lugar.

* A verdade é que, seja como os Aseyuu dos Wayuu, os Ariiyuu dos Añuu ou os Ñambobikorai dos Barí, os povos indígenas da bacia do Lago evidentemente concordam que nossa vida como comunidades humanas, como a do resto das comunidades dos seres presentes no mundo, depende dessa energia vital do universo que a Terra nos transmite da qual emergimos e fazemos parte. Isso significa que estamos todos dentro do universo e somos sustentados vitalmente pela energia da Terra que ela faz brotar do centro magnetizado de seu coração, e irradia em sua rotação constante como um rizoma permanente que flui e brota por todos os poros da sua pele propiciando assim as mudanças que possibilitam a reprodução da vida de todos.

* Este é o princípio que define nosso estar e nosso fazer no mundo: saber que estamos dentro do corpo gigante do universo, alimentados por seu Ariiyuu (energia vital) que emana da Terra como parte do corpo do universo. É assim que definimos nosso lugar de versentir e viver o mundo, o que denominamos na língua Añuu como Eirare, ou o que em termos mais acadêmicos o irmão Arturo Escobar definiu bem como a Ontologia política de nossos povos.

* Foi a partir deste princípio ou Eirare de estar dentro no mundo, que ao longo de milênios orientamos nosso estar e nossas ações sobre as águas, os añuu; no semi-deserto da Península de La Guajira, os Wayuu, e na floresta tropical úmida da Serra de Perijá, os Barí. Em outras palavras, estar dentro no mundo é o que orientou e definiu os limites em nossas relações ecológicas com os diferentes espaços territoriais de cada um dos povos, mas também as relações e limites com as demais comunidades de seres humanos e não humanos e, é claro, as relações sociais e de poder dentro de nossas próprias comunidades e povos.

  1. Anükükar: -Ookoto- Eiña Mmakar

A palavra: Cortar-Compartilhar – Fazer da Terra

Estar no mundo necessariamente nos leva a ter que aprender com a Terra e com todas as outras existências com as quais convivemos no espaço que, como comunidade humana, territorializamos. Esta aprendizagem supõe também compreender que para aprender com a Terra e com todas as outras comunidades é preciso saber dialogar com elas na sua própria língua.

* Nesse sentido, a linguagem do mundo e das comunidades de plantas, animais, rios, montanhas, etc., se expressa ou se manifesta através do fazer (Eiña) que as comunidades humanas devem aprender como parte de nosso processo de territorialização que nossa Eirare, devemos realizar como nossa responsabilidade o necessário desdobramento dos Ariiyuu do mundo em nosso território.

* Assim, a primeira coisa que devemos entender é o fato de que tudo presente no mundo é, porque faz parte de uma comunidade de sujeitos no exercício do fazer (Eiña), como uma linguagem que é própria no contexto do lugares/tempo que a Terra cria. Nada, então, surge no mundo como um «elemento» isolado, absolutamente independente ou autárquico, pois sempre faz parte de um grupo de sujeitos que compartilham um fazer que, por sua vez, compartilha igualmente com todas as outras comunidades de sujeitos diferentes, presentes naquele determinado lugar/tempo.

* O que precede leva-nos a ter de especificar, o que constitui para nós um primeiro ensinamento fundamental que a Terra nos dá a todos nós que dela emergimos; isto é, compreender a condição de incompletude a partir da qual se constituem todos os sujeitos e comunidades, o que representa um princípio fundamental para a produção e reprodução da vida de cada uma das comunidades. Nada, então, está no mundo como um sujeito completo e, portanto, para remediar nossa incompletude necessitamos da complementaridade, que é a que nos referimos na língua Añuu com a expressão: –Ookoto-, verbo cujo significado contém em si, a relação inseparável de cortar e compartilhar.

* É importante esclarecer que debatemos muito na comunidade uma possível tradução que permitisse o entendimento castelhano de tal relação, pois sabemos que a palavra “cortar”, em espanhol, não parece ser capaz de se destacar de sua implicação significativa de “lágrima”; porém, na língua Añuu, “cortar” como “rasgar” é expresso com outro termo: “Chonaa”, enquanto com –Ookoto– o que pretendemos apontar é a possibilidade de somar ou multiplicar nossas vidas e a dos outros. outros com quem estabelecemos relações. Mas, para que tal adição ou multiplicação se concretize, nossa Eirare nos orienta a “cortar” parte de nós mesmos sem “rasgar” (sem dor e com alegria), pois só assim poderemos compartilhá-la verdadeiramente com os outros.

* Agora que não é possível ensinar sem mostrar, assim como não é possível aprender sem a possibilidade de reconhecer o que só pode ser mostrado na experiência do fazer. E este é o segundo grande ensinamento que a Terra nos dá porque, a cada um dos dias de nossa existência, ela não se cansa de nos mostrar com o –Ookoto– de sua experiência, o verdadeiro caminho a seguir para que sejamos capaz de produzir e reproduzir nossa vida; mas também, poder contribuir com o nosso fazer, para a produção e reprodução da vida de todas as outras comunidades com as quais, em determinados lugares/tempos, partilhamos território.

* Há aquele que, para nós o añuu, corresponde ao segundo ato transcendental da Terra: criar o tempo. Porque ela, com seu giro poderoso e magnetizado, não apenas constantemente seu Ariiyuu, mas assim possibilita a conformação dos diferentes lugares/tempos que também constituem espaços fundamentais para o corte-compartilhamento de todas as comunidades (humanas e não humanas) que em tais lugares/tempos encontram condições ideais para a produção e reprodução da vida para cada um deles e, assim, contribuem para a multiplicação da vida na Terra e no Universo.

* Então, vamos resumir. Até agora expusemos vários termos que, segundo os ensinamentos do irmão Mestre Carlos Lenkersdorf, seriam o que ele chamou de «palavras-chave» com as quais toda cultura configura e explica seu sistema de pensamento, pois, na verdade, revelam as bases conceituais do «Sentipensar» ou «Filosofar» das culturas, neste caso, a cosmovisão de nosso povo Añuu. Estas são as expressões com as quais orientamos o exercício diário da nossa «Cosmovivência» e/ou territorialidade.

* Tais palavras-conceitos, categorias-princípios são: Eirare, princípio ontológico-político de nosso processo particular de conhecer e produzir conhecimento no contexto de nossa territorialização nas águas do Lago Maracaibo. Esta Eirare é aquela que nos permite definir o nosso lugar como estar no mundo e, é a partir daí, que configuramos a imagem do mundo como o Grande Olho em que estamos, que podemos ver na sua partilha de recortes mas isso ainda nos vê em nosso próprio fazer.

* É precisamente o cortar-compartilhar (-Ookoto-) a segunda expressão com que definimos e exercemos o nosso Sentipensar como a orientação fundamental que o nosso Eirare nos impõe para a produção e reprodução da vida do nosso povo nas suas relações complementares com todas as outras comunidades humanas e não humanas no contexto territorial em que nos construímos como cultura.

* Por último, temos a expressão Eiña, que traduzimos por fazer; no entanto, é importante dizer que é uma tradução que se baseia no que consideramos ser o trabalho a que cada comunidade humana ou não humana deve dedicar todo o seu esforço durante a sua existência e que não é mais do que a casa Incentivar. Esta definição está contida em Eiña de: Ei– soproespírito; e, –ña, é o substantivo de casa. Assim, fazer, para os añuu, nada mais é do que tudo o que é necessário fazer para animardar ânimo ao nosso laranimar o lar de outras comunidades humanas e não humanas e, com isso, animar o mundo como lar de todos.

* Essa compreensão do nosso fazer está diretamente ligada ao que consideramos ser o horizonte ético que buscamos construir e fomentar no exercício de nossa cosmo-experiência, de nossa territorialidade, e que definimos a partir do que chamamos de Wakuwaipa, que significa: Nosso caminhar como anda a terra, o que nos obriga a entender que nosso fazer como Eiña, nos impõe agir permanentemente com responsabilidade, ou seja, Asokutariñü We: o que significa que somos responsáveis​​por tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, do que dizemos e o que silenciamos, porque devemos ser responsáveis ​​por nossa casa, pela comunidade, pela casa de outras comunidades e pelo mundo como a casa de todos.

* Essa compreensão do nosso fazer está diretamente ligada ao que consideramos ser o horizonte ético que buscamos construir e fomentar no exercício de nossa cosmo-vivencia, de nossa territorialidade, e que definimos a partir do que chamamos de Wakuwaipa, que significa: Nossa caminhada como anda a terra, o que nos obriga a entender que a totalidade do nosso fazer, como Eiña, nos impõe agir permanentemente com responsabilidade, ou seja, Asokutariñü We: o que significa que somos responsáveis​​por tudo o que fazemos ou não fazemos, do que dizemos e também do que silenciamos, porque devemos responder por nossa casa, por nossa comunidade como casa de todas as famílias; mas também pela casa das outras comunidades e do mundo como casa de todos.

* Como deve ser apreciado, para nós o Añuu, viver e a vida, a partir da orientação do Eirare com que definimos nosso estar no mundo, nos move em ondas concêntricas sobre nosso espaço territorial na busca permanente de um horizonte ético sobre o que precisamos nos construir e, por isso, devemos encorajar cada um dos membros e a comunidade em geral dia a dia em virtude e com base em poder andar como a Terra anda e nunca contra ela, porque, só assim, estamos convencidos, é possível mantermos nossos próprios Ariiyuu em equilíbrio como sujeitos humanos emparelhados com os Ariiyuu de todas as outras comunidades humanas e não humanas e, é claro, com a Terra e os Ariiyuu que ela nos proporciona em sua caminhada constante e que, por isso mesmo, devemos todos segui-la e encorajá-la, pois precisamos dela para reproduzir como nossa casa com nosso fazer.

III Waünnü Yolujakai: Antropocenakar

Nosso inimigo Yolujá: O Antropoceno

Andar como o mundo anda é, portanto, condição fundamental para a Bom Conviver (Anain amo Katouwa), que nada mais é do que viver em e para a harmonia dos Ariiyuu de todos. Isso, por sua vez, exige que respeitemos os limites territoriais e/ou os lugares-tempos de todas as comunidades, mesmo daquelas que se apresentam como invisíveis para nós, mas que, sabemos, podem nos afetar e, portanto, seus lugares para nós Waünnü, ou seja, espaços onde vive uma comunidade invisível com o poder de nos afetar já que é Yolujá, o espírito que carrega a doença.

* Durante muito tempo, desde a chegada dos brancos europeus e ainda hoje, falar sobre ela tem sido comum e pejorativo, associado a uma suposta condição «natural» de ignorância e/ou malandragem do povo, desde a sua Eirare, o homem branco decide que a Terra é apenas uma coisa apropriável para seu benefício exclusivo, um piso onde ele pode elevar seu poder sobre todas as outras comunidades e sobre a própria Terra e, por isso, ele é capaz de intervir e violá-la, quebrando o território de todas as comunidades incluindo os espíritos Yolujá que geralmente habitam plantas, animais, pântanos, etc. Imediatamente, eles se defendem lançando seu hálito doente. Esses Yolujá são o que os brancos chamam de “vírus”.

* Mas, sabe-se também que um Yolujá pode ser o espírito de um de nossos falecidos que, confusos pelos constantes apelos de seus parentes e amigos que, com dor de sua partida, continuam a nomeá-los como quando estavam entre os vivos; então, o desaparecido passa a pensar que ainda está vivo e abandona sua viagem ao outro olho do mundo, e retorna ao seu lugar onde, sem querer, com seu sopro de morte põe em risco a saúde da família, especialmente a das crianças. Por isso, quem acaba de morrer nunca deve ser mencionado pelo nome e, se quisermos lembrá-lo, devemos nomeá-lo como: Nikii ou’tikai – Nikii ou’tikar, ou seja, o sofredor, bem, até que ele chega ao seu lugar final, ele deve sofrer as vicissitudes de sua misteriosa jornada. No entanto, vemos que para os brancos é quase um prazer se vangloriar da morte, talvez porque no fundo sempre aspirem à eternidade.

* Por fim, ainda existe um Yolujá muito poderoso que, sem perceber, está sempre ao nosso lado com todos nós: indígenas e não indígenas. Dizemos que é, talvez, o Yolujá mais poderoso que conhecemos porque, não só é capaz de nos transformar a ponto de nos tornarmos seres sem afeto e, portanto, dispostos a destruir a vida dos outros sem nenhum traço de arrependimento, mas porque o poder desse Yolujá está em sua capacidade de se misturar e se esconder atrás do que consideramos nossos melhores propósitos e desejos. É o Yolujá da ambição e da cobiça que, com o poder do vazio oculto de sua palavra, nos induz a romper os fios de harmonia com que todas as comunidades são tecidas pelos Ariiyuu do mundo.

* Sabíamos do poder dos Yolujá dos vírus que os brancos em tempos de conquista e colonização trouxeram em seus corpos, roupas e presentes que espalham doenças causando a morte de centenas de milhares de pessoas de nossas comunidades por toda Abya Yala. No entanto, nossa Avó Terra, com as ações de suas plantas, a gordura de seus animais, o calor e outras propriedades de suas águas, nos ajudaram a enfrentar as doenças que os Yolujá dos brancos traziam consigo. De lá para cá, muitos povos indígenas sobreviveram, mas não foi o suficiente, sobretudo porque os Yolujá da ambição e da ganância, da economia do dinheiro branco, multiplicaram seu desejo insaciável de acumular riquezas e, infelizmente, que Yolujá conseguiu penetrar muitos de nós dentro de nossos povos.

* Assim, guiada pelo Yolujá da ambição e da ganância de riqueza (dinheiro), a sociedade branca-ocidental-capitalista com sua poderosa tecnociência conseguiu destruir em muito pouco tempo, muitos lugares-tempo que com seu fazer, a Terra e os povos levaram milhares de anos para serem construídos e sustentados sob o princípio do cortar-compartilhar de coexistência entre diferentes comunidades. Apenas para citar nosso exemplo: em pouco mais de cem anos, os quase 17.000 quilômetros quadrados do território Añuu do grande Lago de Maracaibo (Karoorare), antes de água totalmente doce, são hoje uma grande piscina de sal, um depósito de resíduos químicos e petroleiros que reduziram a pesca, matando muitas espécies e interrompendo sua contribuição para a manutenção das condições climáticas e a frequência das chuvas em toda a bacia.

* Mas, os brancos não param, porque seu espírito já pertence a Yolujá; Por isso, em sua loucura, não param de derrubar milhares de hectares de floresta na Amazônia e na Orinoquia; mudam o curso de seus rios; eles derrubam montanhas e perfuram e envenenam a Terra em busca de minerais que traduzem em bens e dinheiro. Muitos são os tolos que ainda celebram, convencidos do poder dos homens que, em sua opinião, tomaram conta da Terra e de sua construção do tempo; no entanto, ignoram que essas ações ainda colocam todas aquelas comunidades que os brancos desconhecem em estado de guerra, e cuja resposta para assustar os Yolujá dos brancos de suas vidas põe em risco a vida de todos nós, a vida dos brancos incluído.

* Isso, acho que os barí da Eirare explicam melhor. Dizem que no fundo da Terra vivem os poderosos Ñankúa, que se alimentam do Ariiyuu do sol que ilumina o mundo interior da Terra e, portanto, Ñankúa nunca deve sair porque sua energia (Ñan) é tão poderosa, que sua mera presença pode acabar com a vida de muitas comunidades, incluindo a comunidade humana. Ñankúa tem várias famílias e cada uma delas pode ter uma forma particular em seus corpos. Uma é a família Ñankúa que se parece com óleo preto muito espesso (petróleo), mas igualmente volátil. Outra é a família Ñankúa com coração de pedra (carvão), que ainda tem mau humor, pois pelo contato com o ar se tornam sulfurosos e inflamam-se em um fogo venenoso. Finalmente, há a família Ñankúa que não pode ser vista, mas pode ser cheirada e que ainda pode ser explosiva e mortalmente venenosa para plantas, animais e pessoas.

* Os brancos sabem do poder mortífero de Ñankúa, porém, os Yolujá de sua ambição os leva a perfurar a Terra para quebrar as casas Ñankúa, obrigando-os a sair e assim poder aprisionar sua energia para convertê-la em mercadoria, em dinheiro . Mas, Ñankúa resiste e as marcas de sua batalha ficam no ar e no chão, deixando como rastro o ar envenenado, o medo da chuva, da seca ou das tempestades inesperadas que devastam o solo, enfim, a vingança de Ñankúa é plantar com seu poder a impossibilidade de vida onde os brancos dividiram suas terras.

* Os brancos conhecem muito bem as consequências de suas ações; mas, como todo Yolujá, ele busca apenas satisfazer seu desejo e não se responsabiliza por nada. Ele sabe como fugir de sua responsabilidade culpando os outros. Para isso, cria grandes discursos que diz e repete sem ouvir outra palavra que não seja sua, única forma de se convencer de seu poder. Precisamente, o último grande discurso dos brancos foi este sobre o Antropoceno, com o qual eles não apenas transferem sua responsabilidade para todas as humanidades, mas também culpam a própria Terra.

* Gostaria de terminar contando uma história. Cerca de quarenta anos atrás, a avó Isabelita, para me explicar o que seria a chegada do «Retorno do Tempo», me contou que um dia um Añuu e um Wayuu conheceram um homem branco que irradiava brilho de tanto ouro que adornava suas roupas. Era um homem alto que ria e zombava dos añuu e dos wayuu porque andavam de guayucos, descalços, e nenhum brilho brotava de sua pele queimada de sol. Sem saber que era realmente Yolujá, pediram para ele mostrar cómo conseguir o brilho, então o homem branco mostrou o dinheiro pela primeira vez e disse: Olha isso! Não faça nada além de encontrá-lo porque, quando você o tiver, verá que brilhará como eu!

Isabelita disse que desde então nossa vida mudou, a ponto de por causa do dinheiro perdermos a memória da nossa responsabilidade com a família, com a comunidade e com o mundo. Os Añuu e os Wayuu abriram mão de tudo por dinheiro. Os Añuu entregaram as águas, os Wayuu as terras dos Wasaalee. Viram que jamais alcançariam o brilho de Yolujá e, ao contrário, o espírito da Fome se instalou para conviver com eles. Então, procuraram o Yolujá para reivindicá-lo e ele, rindo como sempre, disse-lhes: Não posso fazer nada porque a Fome e o Dinheiro andam juntos, quem procura um encontra o outro. Então não me culpe pelo que só você desejou.

Eu pensei um pouco, e então perguntei à vovó como poderíamos vencer Yolujá e ela me disse exatamente: Chikekü We Tarin! Chikeku We! (De volta para nós, meu neto! De volta para nós!).

* Por isso irmãos, quando hoje nos perguntam como espantar a catástrofe a que nos conduzem os Yolujá de ambição capitalista e sua palavra enganosa do Antropoceno e, sobretudo, como recuperar o Ariiyuu do Olho de o Mundo, nosso universo, não temos outra resposta ou outro caminho, lembre-se das palavras da avó Isabelita: Chikekü We Tamiroñü! De volta para Nós Irmâos! De volta para Nós!

Muito obrigrado!

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